quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

REGÊNCIA: CHEGAR, ATENDER, AVISAR


--- Qual das formas abaixo é a correta: Estou chegando em Santos ou Estou chegando a Santos?

De acordo com a ciência lingüística, as duas estão corretas. A diferença está no nível de linguagem: menos/mais formal. Em princípio, por ser verbo de movimento, CHEGAR rege a preposição A: chegar ao lugar certo/ à frente/ às vias de fato; chegar a uma conclusão etc.

Todavia, no Brasil é freqüente o uso da preposição EM diante de complemento de lugar, sobretudo cidades, assim como se usa EM com o complemento “casa”: chegar em casa. Contribui para isso o fato de a idéia de estado e repouso (cheguei em SP = lugar onde estou agora) se sobrepor à de movimento (cheguei a SP = lugar para onde vim). Portanto, é mais formal: estou chegando a Santos; coloquial: estou chegando em Santos.

--- é correto atender às necessidades ou as necessidades? Qual a regência do verbo avisar?

ATENDER pode ser tanto transitivo direto quanto indireto, ou mesmo intransitivo (por ex. toquei duas vezes mas ninguém atende / esse médico atende bem / ele só atende em casa).
Como transitivo indireto, ele pede a preposição A:

Atenderemos ao pedido na próxima s emana
Atenderemos a quaisquer pedidos via internet.
Lamento não poder atender à solicitação de recursos.
A reitoria atendeu às reivindicações.
O juiz atendeu ao requerimento.
O Papa atenderá aos peregrinos.
Não vou atender a nenhum dos conselhos, mas somente à minha intuição.
Atenda ao telefone, por favor. [preferência lusitana]

Como transitivo direto, ele é usado sem preposição:

Atenderemos o pedido na próxima semana.
Atenderemos quaisquer pedidos via internet.
Lamento não poder atender a solicitação de recursos.
A reitoria atendeu as reivindicações.
O juiz atendeu o requerimento.
O Papa atenderá os peregrinos.
Não vou atender nenhum dos conselhos, mas somente a minha intuição.
Atenda o telefone, por favor. [preferência brasileira]

é importante observar que raramente o pronome “lhe” é utilizado. Ou seja: empregam-se preferentemente as formas diretas (o/a/os/as) quando o complemento verbal é um pronome:

Comunicamos aos nossos clientes que vamos atendê-los em novo endereço.
Júlia e Jane, vamos atendê-las em seguida. Posso atendê-lo, senhor?
Foram muitas as reivindicações, e a reitoria as atendeu parcialmente.



AVISAR. A construção originária é avisar alguém (de alguma coisa):

é bom avisá-la do perigo.
Bem que eu a avisei, Marcela.
Avisamos os clientes da mudança de endereço.
Não saia sem avisar seus pais.
Ninguém me avisou disso.
O chefe avisou os funcionários de que os documentos estavam prontos.

Entretanto, já tem tradição na língua o uso de “avisar” com objeto indireto de pessoa e direto de coisa, por analogia com os verbos dizer e comunicar:

Avisamos aos nossos clientes que vamos atendê-los em novo endereço.
Eu lhe avisei a data da reunião.

Também são usadas as preposições PARA e SOBRE:

Avisei os amigos sobre os problemas pendentes.
O médico avisou o menino para largar o cigarro.
Prof.: Diego Amorim

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Uso do LHE, A, O


LHE – objeto indireto, uso formal
A primeira coisa a notar e gravar é que o pronome LHE é a sintetização de a ele/ela ou a você (ou ao senhor e outras formas de tratamento correspondentes), quando a prep. A é insuprimível, pois introduz um objeto indireto. Em outros termos: o pronome LHE só é usado com verbos transitivos indiretos que exijam a preposição A ou PARA. Ele serve tanto para o masculino quanto para o feminino e só se refere a pessoas. Então: falei-lhe = falei a você (não se diz *falei você); disse-lhe = disse a ele; já lhes informaram? = já informaram a vocês?; entreguei-lhe o livro = entreguei a ele [o livro]; mandei-lhe flores = mandei [flores] para ela.


O e A – objeto direto, uso formal
Quando não cabe a preposição A ou PARA, significa que o objeto é direto; neste caso o pronome a ser usado para substituir pessoas ou coisas é O para o masculino e A para o feminino: entreguei-o ao bibliotecário = entreguei o livro; entregou-o para as milícias = entregou o refém; mandei-a embora = mandei a moça embora; mandei-as para Celina = mandei flores para ela.

Na linguagem culta é assim que se fala. Ou melhor, é assim que se escreve. Na fala brasileira de todo dia pouco se ouvem tais pronomes oblíquos. Contudo, em textos bem elaborados, em que se pode planejar a escrita, deve-se fazer uso do LHE e do O/A como ensinado. E para isso é preciso um bom conhecimento não só das regras mas também da transitividade verbal.

ELE E ELA – objeto direto, uso coloquial
Basta ligar a televisão e ver uma novela ou assistir a uma entrevista para se constatar o emprego bem brasileiro dos pronomes retos (sujeitos) ele/ela como complemento de verbos transitivos diretos: vimos ele, conheço ela, convenceu eles, deixou ele ir, vou convidar ela, quero aproveitar ela [a oportunidade]. Já com o infinitivo é um pouco mais comum ouvir os pronomes O/A na forma de LO/LA: vou convidá-la, quero ajudá-lo, não queremos deixá-los...

Mesmo bons escritores e publicitários usam tais formas em textos informais, infantis, ou quando descrevem situações coloquiais. Por exemplo, em M istério do Coelho Pensante, livro infantil lançado em 1967, Clarice Lispector emprega várias vezes construções verbais como tomei ele. Outro exemplo, agora de publicidade: “A distância faz o coração bater de saudade. Uma ligação faz ele disparar.” Como se dirige a um público amplo, “faz ele” tem mais apelo, soa mais natural do que “fá-lo” ou “o faz”.

Aliás, cumpre anotar que esse uso é antiqüíssimo. Há registros no português arcaico: “E o senhor disse... que enforcariam ele” (Coutinho , I .L.
Gramática Histórica. RJ: Liv. Acadêmica, 1968, p.67).

LHE – objeto direto, uso informal
Por último, mencionemos a tendência atual dos brasileiros em transformar O/A em LHE. Essa invasão de área está acontecendo porque: 1º) o O tem pouco corpo fonético, baixa audibilidade, e portanto comunica mal; 2º) no conjunto dos pronomes oblíquos, LHE se encaixa melhor do que O: me, t e, se, lhe, com a vogal (e) apoiada por consoante, em vez de uma só vogal (o, a), formam uma seqüência mais espontânea. E se os três primeiros podem funcionar também como objeto direto, por que o lhe não poderia? – é a pergunta que parece saltar à mente. Vai daí que já não soam erradas frases asssim: “Amigos fazem você sorrir e lhe dão apoio; eles lhe elogiam e têm o coração aberto para você”.
De qualquer modo, o correto pela norma padrão é “eles o elogiam, eu o vi (ou: eu vi você), não a conheço, espero convencê-lo”, e não “eu lhe vi, não lhe conheço, espero lhe convencer”.


Além disso, parece que O/A se refere apenas a ele/ela, e LHE a você, até pela semelhança com TE. Para exemplificar, cito o diálogo de uma crônica do escritor Amilcar Neves publicada no jornal Diário Catarinense. A voz feminina sussurra: “Vou deixá-lo definitivamente.” Ele se surpreende: “Deixar-me?” Ela esclarece: “Falei que ia deixá-lo, e não que ia deixar-te.” E o autor põe sua sutil ironia na réplica do rapaz: “é verdade, desculpa-me. Português nunca foi o meu forte...”

Lembro que, apesar de tudo, nos vestibulares e concursos para em pregos públicos buscam-se pessoas com o domínio da língua culta, que saibam aplicar formalmente esses pronomes.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Daniel, Danie-el!


Sorrir. Tudo o que ele faz é sorrir. Brinca com o tempo, diverte-se com tudo, tudo olha, tudo quer. Dentro de seu espaço mínimo – miúdo até – quer abarcar o mundo, quer que ele entre dentro de si para brincarem juntos. Pega isso, joga aquilo. Sorri, largo e sereno. Às vezes um choro leve, maroto, rompe as palavras desconexas que acaba de inventar, mas logo volta a elas como se as testasse a todo instante. Seus significados ficam presos no seu mundo do sempre e agora. Para ele, há de ser agora, já... um segundo e não mais adianta. Palavras, sorrisos e princípios de choro fazem, hoje, parte de seu dia. Curioso ao extremo, tudo é passível de beijo, baba, mordida... se faz barulho, melhor. Interrompe a quietude com sua onipresente risada – gostosa risada! Seu sorriso – ora sem graça, ora de arte – conquista tudo. Tudo parece querer estar com ele. Ele é ímã, não aborrece, nem isola nada, nem ninguém. Todos o querem no colo, arteiro e carinhoso. Há momentos em que se cansa, e basta um “corujinha, corujinha, onde estás, onde estás?”que ele adormece como que chamando a todos para fazer o mesmo. Mas antes, como uma luta constante para não sair da gente, não nos deixar assim, acordados, como se ele fosse perder algo que não poderia jamais. Ele é carpe diem constante. Aproveita cada mastigada, brinca, quer a colher, olha-nos, ri e chora. Participa ativamente de cada segundo nosso como se fosse o mais importante instante! Quer colo, faz manha, puxa os cabelos da gente como se escalasse a mais alta montanha e, quando se vê acima de todos, grita pelo um desafio conquistado. Sobra-nos, não a dor, mais a satisfação de vê-lo feliz. De manhã, já acorda numa alegria e conversa consigo mesmo, contente por estar de novo desperto para suas estripulias. Quando nos vê, pára, olha bem como quem identifica se amigo ou não, sorri rasgado e tenta levantar. – Força. “Me pega, me levanta, me leva”. Palavras e mais palavras, numa dimensão paralela, ele as profere tendo certeza que as entendemos. Todos procuram seus nomes, seu grau de parentesco nos sons que ele diz. Procuram uma relação de afeto único, só entre os dois, um algo que os torne amigos. Ele é lindo! Se soubesse da intenção de cada um e pudesse falar, escolheria uma palavra especial para cada, para que ninguém se sentisse menor diante dele. A nós – pais – reserva um carinho e atenção inigualáveis. Nos proporciona diversão, conversas longas, gestos únicos, em momentos eternizados pela importância de um sorriso ou palavra na hora exata, como intencional para nos tornar ainda mais apaixonados por ele, para nos fazer únicos. Ele nos tortura à espera de um dente que há muito se anuncia vindo, mas que teima em protelar ao máximo sua chegada. Creio ser assim o de toda a criança: quando menos se espera, ele de sopetão surge. Ele é assim dependentemente livre. Tem seus quereres e os une aos nossos em horários e manhas. Almoça metade do dele só para almoçar do nosso, conosco. É livre, bonito, olha para nós como se tencionasse provocar, mas logo algo o distrai e tudo muda, gira de foco, mas o centro continua sendo ele, sempre. Vejo-o como uma criança una, tem seus próprios ‘eus’, assim já de pequeno, sabe ser o neto, o primo, o sobrinho e sabe exatamente ser FILHO. Já conversa com as nuvens como se elas amigas antigas fossem e chegassem de longa viagem. Sim, ele sabe ser ele mesmo em si: onipresente em nós, onipotente em seu mundo de flores, e onisciente de tudo o que precisa saber até agora: nós o amamos. Pode chamá-lo que ele atende, sete meses de vida, porém, inteligente, ele atende: Daniel, Danie-el.

Papai.
Texto que fiz para meu filho quando ele tinha sete meses de vida.